Ainda que timidamente, algumas empresas estão despertando para um novo nicho de mercado que se encontra em ascensão: o de pessoas que vivem sozinhas. Formado por quem, na maioria das vezes, não é casado, nem tem filhos, o segmento, denominado pela maioria dos executivos de marketing como single, ganha força por apresentar alto potencial de consumo de produtos e serviços que agilizem o seu dia-a-dia. No entanto, a falta de pesquisas relativas a essa parcela de consumidores inibe as corporações de planejarem ações direcionadas a ela.

De acordo com os últimos indicadores sociais divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as unidades unipessoais tiveram crescimento contínuo nos últimos dez anos, atingindo quase 6 milhões em 2005. Esse número corresponde a cerca de 12% da população economicamente ativa brasileira. Na região Norte, esse tipo de arranjo é menos freqüente, mas sua presença chama atenção nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, onde corresponde a 15% do total de domicílios, e Rio de Janeiro, com 13,8%.

Os dados apontam para um mercado promissor, mas não abordam os hábitos e costumes desse segmento, informações fundamentais para que sejam traçadas as estratégias de corporações. "Não existem estatísticas que mostrem uma prática de consumo, tanto em relação a produtos, quanto a serviços, dessa população", diz Antônio Galvão, diretor da Automacom Consultoria de Operações de Varejo.

Mesmo assim, há empresas que estão começando a explorar esse nicho de mercado, oferecendo produtos pensados sob medida. Nas prateleiras de supermercados, os consumidores do segmento single já encontram diversos pratos prontos, sopas individuais, latas de óleo com meio litro, caixas de meia dúzia de ovos e, até, pacotes de pães com metade do conteúdo tradicional. Esses itens buscam atender às demandas dos que vivem sozinhos por porções menores e mais práticas.

A Sadia é uma das poucas corporações que investem consideravelmente neste mercado, através da tradicional linha de congelados, que inclui massas, empanados, tortas, salgadinhos, sopas e até pratos prontos, como o estrogonofe e o filé de frango à parmigiana. A novidade da marca é o Texas Burguer a granel, produto antes vendido apenas em caixa com 12 unidades, que agora pode ser adquirido na quantidade desejada pelo consumidor.

Pesquisas de mercado encomendadas pela Sadia apontaram as classes A e B como maioria no público com comportamento single, que está disposto ainda a pagar por porções menores e por produtos de preparo prático e rápido. Para atingi-lo, a empresa direciona investimentos em ações de mídia e nos pontos-de-venda, pois são esses os meios que mais influenciam nas decisões destes consumidores. A Sadia realiza ação de degustação de novos produtos, abordagem com folhetos, kits promocionais, campanhas promocionais (através da entrega de brindes e realização de sorteios) e exposição em pontos extras e encartes.

A empresa não é a única tentando conquistar esse filão. A Sakura já lançou quatro famílias de produtos que atendem os interesses do segmento. São as sopas instantâneas individuais e diversos molhos para os alimentos. Roberto Ohara, diretor de Desenvolvimento da Sakura Nakaya Alimentos, afirma que o lançamento dos produtos não teve o foco exclusivo para esses clientes, pois todos estão em busca de conveniência e rapidez. As sopas em porção individual foram também uma forma de permitir aos consumidores uma maior experimentação dos sabores diversos. No entanto, o diretor afirma que a parcela de consumidores do segmento single atingida é significativa.

A Sapore by Maison Crevette entrou na disputa, distribuindo produtos em porções individuais, como o bacalhau dessalgado Dias, as tortinhas San Martin e os pães congelados BricoBread. De forma mais estratégica, a empresa aposta bastante nesse mercado, mas já enfrentou problemas com produtos que apresentaram demandas significativas e tiveram fabricação paralisada.

Segundo Leopoldo Cabral, diretor-presidente da Sapore by Maison Crevette, nem sempre vale a pena investir no segmento, principalmente, para as grandes empresas. "Apostamos nesse mercado, pois atuamos predominantemente em nichos pouco explorados. Não há uma exigência do mercado para que esses produtos sejam criados. É preciso sempre associar a demanda aos investimentos", afirma. O executivo garante que, na maioria dos casos, os custos de se reduzir embalagens não justificam a mudança. Mesmo assim, a empresa disponibiliza cerca de 20 produtos em porções individuais.

Marcelo Vieira de Sá, consultor de negócios da Canguru, empresa de embalagens, comprova o que Cabral diz. Segundo ele, a redução da embalagem encarece consideravelmente o produto por utilizar mais material envolvente e diminuir a produtividade na cadeia de produção. "As empresas estão, cautelosamente, testando o mercado. Recebemos muitos pedidos de consulta, mas poucas propostas de desenvolvimento do produto em porções menores", explica Sá. Por outro lado, o consultor afirma que os investimentos estão sendo mais direcionados para a criação de embalagens "stand up post", que podem ser fechadas de forma mais eficiente após o consumo. "Antigamente, víamos uma preocupação grande do mercado em relação à reciclagem, hoje as atenções se voltaram para a reutilização", acrescenta.

mercado imobiliário. Distante da indústria de bens de consumo, o mercado imobiliário também tem sofrido alguns impactos do aumento do mercado dos que vivem sozinhos. Este segmento vem buscando prédios e condomínios que apresentem boa infra-estrutura, com oferta de serviços, e apartamentos com arquitetura requintada e que priorizem a área social, em detrimento das áreas de serviços.

Luiz Henrique Rimes, diretor da Gafisa, foi surpreendido pela grande procura desse tipo de consumidor por apartamentos no edifício Hype Jardins, recém construído pela empresa. Por serem lofts de quarto e sala, são voltados para poucas pessoas. Segundo Rimes, os compradores solteiros estão, em sua maioria, na faixa dos 30 anos e são profissionais liberais. "Depois do lançamento, observamos o público que estava nos procurando e passamos a focar, pela mídia, mais nos executivos jovens, bem sucedidos, que moram sozinhos", afirma. Para o diretor, este setor será mais influenciado quando o PIB aumentar e o segmento tiver mais volume de capital disponível para comprar ou alugar imóveis.
Principal demanda é por serviços
Enquanto a indústria caminha no sentido de aumentar as embalagens para vender mais - já que os hábitos de comer fora de casa ou convidar amigos para as refeições também são apontadas como agentes que minimizam a pressão dos consumidores por mudanças na indústria de alimentos -, os serviços podem sim ser o grande filão para esse nicho de mercado.

"Este é um mercado em ascensão, não para produtos, mas para serviços, como lavanderias e restaurantes que entregam em casa", afirma Luiz Freitas, do Centro de Estudos do Varejo.

A consultora, também coordenadora técnica do curso de pós-graduação em Gestão de Serviços do Instituto de Educação Tecnológica (Ietec), Soraya Gervásio afirma que os consumidores do segmento single buscam ser bem tratados, receber atendimento personalizado e têm tolerância menor a erros. "Esses consumidores não se fidelizam à marca ou ao produto, mas aos benefícios e status conseguidos na transação", afirma.

Pensando nisso, a rede de lavanderias Qualittá ofereceu, durante um tempo, promoções especiais para esse público. Enquanto os consumidores em geral costumam procurar a empresa apenas para a lavagem de roupas delicadas, quem vive sozinho costuma freqüentar o estabelecimento semanalmente, deixando as roupas do dia-a-dia também. "Oferecemos durante um tempo uma promoção com desconto para solteiros cadastrados na loja. Foi uma forma de fidelizá-lo e o resultado foi muito bom. Atualizamos constantemente nossas ações promocionais, mas devemos voltar com a cortesia focada neste público ainda neste ano", afirma Glaucia Gotardi, responsável pelo Marketing do Grupo Acerte Franchising, proprietário da marca de lavanderias.

No varejo, as ações também podem ser adaptadas. Albert Coutinho Mendonça, diretor da Auto Invest Veículos, concessionária mineira, também planeja implementar alguma ação focando o nicho. A possibilidade de financiamento vem permitindo que jovens comprem o primeiro carro mais cedo, aumentando a demanda. "Pelos cadastros dos financiamentos, percebemos que grande parte de nossos compradores é de solteiros", afirma Mendonça. No entanto, outra mudança do perfil do consumidor tem chamado mais sua atenção e deve ter prioridade nas ações. "Recebemos cada vez mais mulheres interessadas em adquirir veículos, e mesmo quando estão acompanhadas de homens, demonstram grande poder de decisão", explica o diretor.

Fonte: Jornal do Commércio